quarta-feira, 28 de maio de 2025

Direito Penal do Inimigo

O Direito Penal do Inimigo ― em alemão, Feindstrafrecht ― foi proposto por Jakobs em 1985. Resumidamente, o DPI é uma teoria que separa um Direito Penal em dois. Haveria o Direito Penal do cidadão (Bürgerstrafrecht), garantista e atento ao fato criminoso; e haveria o Direito Penal do inimigo, menos garantista que o primeiro e mais voltado à periculosidade do agente.

A saber, quem é o inimigo. Aquele que não observa as regras, que se desvia do contrato social. O inimigo é o terrorista, o membro de uma organização criminosa, é aquele que parece se desviar de sua cidadania. O DPI ganhou força nos idos de 2001, quando o 11 de setembro assustou o mundo inteiro. Assim, diante de ameaças extremas, o Estado passa a adotar uma lógica de guerra, qual seja, a da neutralização da ameaça.

Embora o DPI tenha sido muito falado no passado, apesar do termo démodé, ele representa, ainda hoje, um modo de entender o endurecimento das leis penais em diferentes contextos. Afinal, a divisão entre cidadãos e inimigos explicita a estigmatização como uma ferramenta discriminatória.

Jakobs, em 1985, via isso na legislação alemã como problemático. Ele foi, inicialmente, um crítico dessa tendência. Mais tarde, entendeu-a como uma resposta inevitável aos novos tipos de criminalidade que começaram a aparecer, tais como terrorismo, crime organizado e narcotráfico transnacional.

Em países como Brasil, México e Colômbia, o combate a facções criminosas emprega elementos do Direito Penal do Inimigo: prisões preventivas prolongadas e mesmo o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). De lembrar também os ataques cibernéticos, as campanhas de desinformação que vão das deepfakes à manipulação eleitoral. Consequência disso, o monitoramento amplo e a criminalização preventiva, que fazem lembrar a teoria de Jakobs.

Em nome da lei e da ordem, a ideia de inimigo ocupa espaços e se abre para inserir, nessa categoria, de imigrantes a opositores políticos. Embora o Brasil não tenha adotado o DPI, reflexos dele são visíveis, por exemplo, na Lei de Crimes Hediondos (8.072/90), que limita benefícios como anistia e indulto, endurece as penas e insere tratando certos criminosos como "inimigos" irrecuperáveis. O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) ― Lei de Execução Penal (art. 52, Lei 7.210/84) ―, isola presos por fundadas suspeitas de envolvimento com crime organizado, ainda que na falta de condenação definitiva. Na mesma toada, a Lei do Crime Organizado (12.850/2013) criminaliza atos preparatórios e permite amplas interceptações, antecipando a punição com base na periculosidade.

De certa forma, parece que surge um novo inimigo no cenário penal. Ele não é o terrorista clássico, com treinamento ou ideologia clara, nem o criminoso patrimonial. É o cidadão que, por desinformação, polarização ou frustração social, é percebido como dissente que coloca em risco a estabilidade social. A mesma lógica utilizada pelo DPI também se aplica aqui, com prisões preventivas prolongadas e amplos inquéritos que visam mais a periculosidade que o ato em si. Corolário disso é que, para combater esse novo inimigo, instaura-se o monitoramento de redes sociais e o bloqueio de contas.

Parece provável que se esteja diante de uma nova episteme do DPI, de uma reconfiguração dele, impulsionada por mudanças sociais, tecnológicas e políticas. Emergem disso um conjunto de práticas e saberes que moldam nossa percepção do crime e do criminoso. Surge, ao que parece, o inimigo de uma ordem simbólica ao qual se imputa a desestabilização da confiança nas instituições. É o inimigo que emerge dos lugares comuns, ele mesmo encarnando o homem comum, simpático ao populismo, por vezes, negacionista e dissidente.

O novo inimigo é, enfim, mais difuso e cotidiano que o terrorista ou o ladrão. Ele é político, mas com um novo viés. Digo isso porque, historicamente, crimes políticos clássicos eram os regicídios, os atentados anarquistas. Para os revolucionários, tais crimes eram atos heroicos; para o Estado, eram traição. Foi possível contextualizá-los, analisando suas motivações, bem como o contexto social e econômico que lhes servia de cenário.

Novos contextos emergem em novos tempos. Pós-1989, por exemplo, com a queda do Muro de Berlim, a globalização e o neoliberalismo fragmentaram os valores. Francis Fukuyama (1992) previu o chamado fim da história que também coincide com o fim, ou a relativização, de valores antes universais. Na falta de critérios, estabelecer critérios é tarefa quase impossível. Resulta disso que a polarização e a velocidade da informação dificultam qualquer análise, pois nosso presente imediato dificulta a reflexão histórica.

Diante desse cenário, a vigilância crítica sobre o uso do Direito Penal como instrumento de gestão do medo se impõe. Se toda crise autoriza exceções, corre-se o risco de que tais exceções se tornem regra, corroendo, em suas bases garantistas, a ideia de um Estado Democrático de Direito. O desafio contemporâneo é, portanto, resistir à tentação de transformar a exceção em política de Estado, lembrando que o inimigo de hoje pode ser o cidadão comum de amanhã.