Contudo, tudo isso é parte de um processo mais amplo. Vivemos tempos de fragmentação global, com aprofundamento das desigualdades. A transformação econômica das últimas décadas — com expansão do mercado financeiro e flexibilização do trabalho — produziu uma nova forma de governar os conflitos sociais. Disso emerge um Estado punitivo, que responde às tensões sociais por meio de mecanismos de exclusão, de preferência à via das políticas de inclusão.
Enquanto o Estado social busca garantir direitos mínimos de cidadania, o Estado penal lida com desigualdades — pobreza, informalidade e marginalização — por meio da repressão, do encarceramento em massa e da militarização do cotidiano. No Brasil, esse modelo é visível nas prisões superlotadas, nos milhares de presos provisórios, nas incursões policiais letais em territórios empobrecidos e na naturalização do uso da força como política pública. Existe, aí, uma lógica do inimigo, que não ocupa apenas o lugar de quem pratica crimes, mas que também dá lugar a uma construção discursiva que o condena também ao isolamento social e existencial.
A política criminal contemporânea é um instrumento de governabilidade, no sentido proposto por Michel Foucault, pois não se trata apenas de punir, mas de gerir populações que não encontram mais lugar em um mercado de trabalho, que não mais depende das massas trabalhadoras como de força de trabalho, como nas eras fordista e industrial. E, quando os excedentes humanos são dispensáveis, a regulação não se faz mais pelo mercado, mas por um sistema que emerge de políticas criminais pelas quais o encarceramento realiza o controle social, validando, por elipse, o fracasso do Estado social e provocando a ascensão do Estado Penal.