segunda-feira, 26 de maio de 2025

Contraditório Substancial e Vedação à Decisão Surpresa

CPC, Art. 9º ― Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

I - à tutela provisória de urgência;

II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;

III - à decisão prevista no art. 701.

CPC, Art. 10 ― O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

O art. 10 consagra o “contraditório substancial”. Por ele, vai-se além da “ciência” pura e simples dos atos do processo. O contraditório substancial garante o direito de as partes serem ouvidas antes de qualquer decisão baseada em fundamento novo, ainda que seja matéria de ordem pública ou cognoscível de ofício. Trata-se de norma que garante a paridade de armas e que ― combinada ao art. 9º (vedação à decisão surpresa) ― reforça o devido processo legal.

Nesse sentido:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. EXTINÇÃO DO FEITO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA. OFENSAAO PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA INTERMEDIADORA. I. Caso em Exame 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito, com fundamento na ilegitimidade passiva da parte demandada, nos termos do artigo 485, VI, do CPC. A sentença foi proferida sem prévia intimação da parte autora para manifestação sobre a suposta ilegitimidade passiva. II. Questão em Discussão2. A controvérsia consiste em verificar:(i) se houve ofensa ao princípio da não surpresa na extinção do feito sem prévia intimação para manifestação da parte autora; e(ii) se há legitimidade passiva da associação demandada. III. Razões de Decidir4. O artigo 10 do CPC veda a prolação de decisão com base em fundamento sobre o qual as partes não tenham tido a oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria de ordem pública.5. A extinção prematura do feito, sem oportunizar a retificação do polo passivo ou a apresentação de argumentos sobre a legitimidade da parte ré, afronta o contraditório substancial e a cooperação processual, impondo-se a desconstituição da sentença.6. Em rejulgamento da causa com base no art. 1.013, §3º, inc. I, do CPC, é reconhecida a ilegitimidade passiva da intermediadora para figurar no polo passivo da ação revisional. IV. Dispositivo RECURSO PROVIDO EM PARTE. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. CAUSA MADURA. AÇÃO EXTINTA POR ILEGITIMIDADE PASSIVA.(Apelação Cível, Nº 52272772020248210001, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 09-04-2025)

Ementa: AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR SUPOSTAAUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL, ANTE O REDUZIDO VALOR DO CRÉDITO EXEQUENDO. DESCABIMENTO, NO CASO CONCRETO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PRÉVIA DO ENTE PÚBLICO EXEQUENTE PARA MANIFESTAÇÃO SOBRE A (IN)OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS ESTABELECIDOS NO TEMA 1.184 DA REPERCUSSÃO GERAL E NA RESOLUÇÃO 547 DO CNJ. A alegada irrisoriedade do crédito exequendo não autoriza, por si só, a extinção do feito executivo de ofício, sem resolução do mérito. No caso, cumpre oportunizar ao exequente manifestação prévia acerca da (in)observância das disposições previstas no Tema nº. 1.184 do STF e na Resolução nº 547 do CNJ, sob pena de violação aos princípios do contraditório substancial e da vedação de decisão surpresa, previstos nos arts. 9º e 10 do CPC. Não assiste razão ao agravante ao sustentar que o recurso de apelação não deveria ter sido conhecido, tendo em vista o valor da execução fiscal, à época em que proposta, superava o limite de 50 ORTN's, motivo pelo qual a hipótese não se enquadra no art. 34 da LEF. DECISÃO MONOCRÁTICA RATIFICADA PELO COLEGIADO NO JULGAMENTO DE AGRAVO INTERNO. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50153053420208210015, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em: 10-04-2025)

No Processo, não há lugar para fundamento não levantado pelas partes, fato novo ou tese inusitada. Se a parte autora, por exemplo, junta novos documentos aos autos, a vista à parte ré é obrigatória, para que se manifeste antes de qualquer decisão que eventualmente os considere.

Em suma, o art. 10 do CPC não é uma mera formalidade, mas expressão concreta do devido processo legal e do respeito à paridade de armas. Decisões proferidas à revelia do contraditório substancial não se sustentam: são juridicamente frágeis e, sobretudo, injustas. Por isso, é dever de todo operador do Direito estar atento — e não hesitar em invocar essa garantia fundamental sempre que o processo for surpreendido por decisões que não passaram pelo crivo do debate dialético. Afinal, não há justiça sem escuta.

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