Muito se discute sobre a legalidade da suspensão da CNH, apreensão de passaporte, bloqueio de cartão de crédito ou restrição à circulação de veículos como formas de pressionar o devedor no cumprimento de uma obrigação. Mas a verdade é uma só: tudo depende do caso concreto.O ponto de partida é o art. 139, IV, do CPC, que autoriza o juiz a adotar medidas coercitivas, indutivas, mandamentais ou sub-rogatórias, mesmo que não estejam expressamente previstas em lei, desde que necessárias ao cumprimento da decisão judicial.
Mas como saber quando essas medidas são legítimas? Vamos aos exemplos:
No AI 5090555-94.2025.8.21.7000, o TJRS entendeu que não era cabível suspender a CNH de um devedor de alimentos. Motivo? O tema está afetado ao STJ como Tema Repetitivo 1.137, e, por isso, todos os processos com esse debate estão suspensos. Assim, a decisão que suspendia a CNH foi revogada.
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS. RITO DA EXPROPRIAÇÃO. SUSPENSÃO DA CNH DO DEVEDOR. MEIOS EXECUTIVOS ATÍPICOS. DESCABIMENTO NESTE MOMENTO. TEMA REPETITIVO 1137 DO STJ. DECISÃO REFORMADA. Incumbe ao magistrado se valer de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, nos termos do art. 139, inc. IV, do CPC. Hipótese em que a dívida alimentar sob execução remonta ao ano de 2011, e foram infrutíferas as demais medidas empreendidas na tentativa de viabilizar a satisfação do crédito. Todavia, a matéria relativa à possibilidade de adoção dos meios executivos atípicos foi afetada à Corte Especial do STJ para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, tratando-se do Tema Repetitivo 1.137, cuja questão submetida à apreciação é "Definir se, com esteio no art. 139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos". Ademais, no referido Tema Repetitivo 1137, há determinação de suspensão do processamento de todos os feitos e recursos pendentes que versem sobre idêntica questão e que tramitem no território nacional, nos termos do art. 1.037, II, do CPC. Nesse contexto, é impositiva a revogação da ordem de suspensão da CNH do devedor, para que se impeça a adoção de meios executivos atípicos até que o Tema Repetitivo 1.137 seja julgado pelo STJ. Precedentes do TJRS. Agravo de instrumento provido.(Agravo de Instrumento, Nº 50905559420258217000, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 09-04-2025)
Em contrapartida, no AI 5016022-67.2025.8.21.7000, também do TJRS, a suspensão da CNH foi mantida. Por quê? Porque o débito era expressivo, a dívida era antiga, todas as tentativas anteriores falharam e o devedor se mantinha inerte.
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS. RITO EXPROPRIATÓRIO. PLEITO RECURSAL DE DESBLOQUEIO DA CNH DO DEVEDOR. NÃO CABIMENTO. PECULIARIDADES DO FEITO QUE AUTORIZAM A ADOÇÃO DE MEDIDA COERCITIVA ATÍPICA. INTELIGÊNCIA DO ART. 139, IV, DO CPC. DECISÃO MANTIDA. CASO EM QUE, TENDO EM VISTA O ESGOTAMENTO DOS MEIOS EXECUTIVOS DISPONÍVEIS NA ORIGEM, O GRANDE LAPSO DA DEMANDA E O EXPRESSIVO DÉBITO ALIMENTAR, AFIGURA-SE LEGÍTIMA A MEDIDA DE SUSPENSÃO DA CARTEIRA DE HABILITAÇÃO DO EXECUTADO, QUE SE REVELA NECESSÁRIA PARA COMPELIR O GENITOR A ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50160226720258217000, Primeira Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luis Gustavo Pedroso Lacerda, Julgado em: 14-04-2025)
Outro exemplo interessante vem do AI 5092367-16.2021.8.21.7000, onde o TJRS autorizou a restrição de circulação de um veículo penhorado, com base no Regulamento do Renajud. O bem já havia sido penhorado, e a restrição ajudaria na sua localização e efetiva apreensão. Medida legítima, proporcional e voltada à efetividade da execução.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PEDIDO DE RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS JUNTO AO SISTEMA RENAJUD. POSSIBILIDADE A execução se desenvolve em prol do interesse do credor, devendo ser levada em conta a harmonia entre o objetivo principal do feito, que consiste na satisfação do seu crédito, e a forma menos onerosa de execução para o devedor. No caso, verifica-se que os veículos em questão já foram penhorados por termo nos autos. Desse modo, fins de celeridade processual e garantindo uma tutela jurisdicional efetiva, inexiste óbice à restrição de circulação dos referidos automóveis, a teor do art. 6º do Regulamento do Renajud. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento, Nº 50923671620218217000, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em: 29-09-2021
Já o STJ, no HC 742.879/RJ (2022), reconheceu que, em situações extremas — como falência com ocultação de patrimônio no exterior —, é possível apreender o passaporte do falido. A medida foi considerada legítima porque houve contraditório, havia indícios de fraude, o processo durava mais de 10 anos e a medida era necessária e proporcional.
CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E FALIMENTAR. HABEAS CORPUS. FALÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. APREENSÃO E RETENÇÃO DE PASSAPORTE DO FALIDO. MEDIDA ATÍPICA (CPC/2015, ART. 139, IV). RAZOABILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. A apreensão do passaporte do devedor é medida atípica e restritiva da liberdade de locomoção do indivíduo, podendo caracterizar constrangimento ilegal e arbitrário, susceptível de análise em sede de habeas corpus, como via processual adequada.
2. Em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou no ordenamento jurídico o CPC de 2015 ao prever, em seu art. 139, IV, a adoção de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda.
3. "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade" (REsp 1.782.418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. em 23/04/2019, DJe de 26/04/2019).
4. Sendo a falência um processo de execução coletiva decretado judicialmente, deve o patrimônio do falido estar comprometido exclusivamente com o pagamento da massa falida, de modo que se tem como cabível, de forma subsidiária, a aplicação da referida regra do art. 139, IV, conforme previsto no art. 189 da Lei 11.101/2005.
5. Na hipótese, verifica-se a razoabilidade da medida coercitiva atípica de apreensão de passaportes, pois adotada mediante decisão fundamentada e com observância do contraditório prévio, em sede de processo de falência que perdura por mais de dez anos, após constatados fortes indícios de ocultação de vasto patrimônio em paraísos fiscais e que as luxuosas e frequentes viagens internacionais do paciente são custeadas por sua família, mas com patrimônio indevidamente transferido a familiares pelo próprio falido, tudo como forma de subtrair-se pessoalmente aos efeitos da quebra.
6. Ordem denegada.
(HC n. 742.879/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 10/10/2022.)
Assim, é preciso compreender o contexto de cada caso. Não se trata de punir o
devedor com retaliações. Trata-se de garantir
a efetividade do processo, especialmente quando há resistência
injustificada ao cumprimento da obrigação. Enquanto o STJ não julga o Tema
Repetitivo 1.137, a jurisprudência segue dividida. Mas uma coisa é certa: o contexto importa, e muito. O
juiz deve analisar caso a caso, com base na razoabilidade, subsidiariedade e
necessidade.
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