quinta-feira, 5 de junho de 2025

SELIC nas Dívidas Civis: STF Decide Julgar Tema com Impacto Direto nas Cobranças Judiciais

Uma virada importante no cenário da cobrança civil acaba de acontecer. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir o uso da taxa SELIC como índice de correção de dívidas civis (REsp 1.795.982). Essa discussão pode afetar diretamente a forma como valores devidos são corrigidos judicialmente — e preocupa, com razão, quem atua na recuperação de créditos.

Em 2024, a Corte Especial do STJ formou maioria para afirmar que a taxa SELIC deve ser aplicada como juros de mora nas dívidas de natureza civil, com base na interpretação do art. 406 do Código Civil. O entendimento foi que a SELIC já é adotada em outras esferas ― débitos tributários e precatórios da Fazenda Pública ― e, portanto, deveria se aplicar também às relações privadas.

Mas a controvérsia não terminou aí. O ministro Luis Felipe Salomão, ao admitir o recurso ao STF, apontou possível violação ao princípio constitucional da reparação integral do dano, sustentando que:

“A aplicação da SELIC, a depender da forma de cálculo (soma dos acumulados mensais x método composto diário), pode não repor a perda do valor real da moeda, especialmente em períodos de baixa inflação ou juros reduzidos, como ocorreu durante a pandemia.”

A principal crítica à aplicação da SELIC em dívidas civis está na metodologia usada para seu cálculo. Hoje, utiliza-se a soma dos acumulados mensais, o que — como demonstrou o voto vencido no STJ — resulta, em muitos casos, em correção inferior à própria inflação.

Entre 2002 e 2021, por exemplo, a soma dos acumulados mensais da SELIC foi de 219,5%; a inflação medida pelo IPCA no mesmo período foi de 237,6%; a SELIC capitalizada via método composto alcançaria 787,4%.

Ou seja: o credor, mesmo após anos de litígio, pode receber um valor corrigido abaixo da inflação, o que contraria frontalmente o princípio da reparação integral.

O STJ já havia aceitado a SELIC em correções contra a Fazenda Pública (tributos, precatórios), mas o diferencial aqui está na natureza privada das dívidas civis. O próprio ministro Salomão destacou que há um distinguishing[1] entre os precedentes do STF sobre débitos públicos e o caso atual — o que justifica a análise da Suprema Corte.

Se o STF mantiver a decisão do STJ, a SELIC se consolida como o único índice aplicável para correção e juros moratórios em dívidas civis, o que pode reduzir significativamente os valores recebidos em execuções e indenizações.Para credores, empresas de cobrança, escritórios de advocacia e investidores em precatórios ou direitos creditórios, essa definição impacta diretamente o valor de recuperação dos ativos.

O recurso foi admitido e ainda será analisado pelo STF. Não há prazo definido, mas o tema tem potencial de repercussão geral e pode redesenhar a jurisprudência sobre correção monetária em dívidas civis.

Enquanto isso, é prudente reavaliar estratégias de cobrança e precificação de dívidas, acompanhar de perto o andamento do caso no STF e informar clientes e investidores sobre os possíveis impactos.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Admitido recurso ao STF contra acórdão que manteve Selic para correção de dívidas civis. Brasília, DF, 4 jun. 2025. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/paginas/comunicacao/noticias/2025/04062025-admitido-recurso-ao-stf-contra-acordao-que-manteve-selic-para-correcao-de-dividas-civis-.aspx. Acesso em: 5 jun. 2025.



[1] Distinguishing é a técnica de diferenciação de precedentes, utilizada quando o caso concreto apresenta fatos ou fundamentos jurídicos distintos dos que embasaram a decisão anterior, o que impede sua aplicação automática.

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